segunda-feira, 28 de maio de 2007

Tome uma atitude

O primeiro e grande campo de batalha de uma empresa é seu mundo interno: a crença em seus valores e os compromissos mútuos com os funcionários
Por Julio Ribeiro - Publicado na Revista Exame


Pense no nome do maior executivo, no mais competente que você conheça. Proponha-lhe o seguinte projeto: suba até o morro da Mangueira e procure arregimentar 10 000 voluntários. Monte, com a colaboração deles, o projeto de um show monumental que envolva a contratação de dezenas de técnicos, estilistas e coreógrafos. Cada pessoa do grupo terá de comprar uma fantasia que custará três meses de salário para usá-la numa única noite. Todas terão de comparecer duas vezes por semana à quadra da escola para ensaiar. Tudo isso sem ganhar nada. Terão de levantar 1 milhão de dólares para pagar as despesas, locomover-se por conta própria para o local do desfile, chegar pontualmente, obedecer cegamente às ordens dos fiscais e, se a escola não ganhar, chorar.

Impossível? Mas elas fazem isso todo ano! Qual a explicação para o sucesso desse processo monumental a partir de quase nenhum recurso, gente de baixo grau de escolarização, moradores de um lugar de alto risco, praticamente sem ajuda de nenhuma entidade externa?
É a atitude das pessoas que compõem o grupo. Todas trabalham motivadas pela alegria e por uma causa: ganhar o desfile. O diretor da escola não precisa fiscalizar a porta-bandeira para saber se ela está ensaiando. O que ela mais quer na vida é realizar um grande desfile e fazer a escola ganhar. Os componentes do grupo querem exatamente a mesma coisa que o presidente da escola. Seus objetivos são comuns. Por isso torna-se desnecessário fiscalizar.
Esse é o princípio do marketing de atitude. É levar as pessoas de um grupo a realizar um projeto com alegria e crença no valor da causa proposta. Existem outras empresas assim? Existem.
Certa vez fui a uma cidade no Arkansas, Estados Unidos, conhecer a matriz de uma empresa. Ao chegar, fui avisado de que no dia seguinte, um sábado, haveria uma reunião às 7 da manhã num cinema local. Perguntei se era brincadeira. "Não! Aqui os funcionários alugam, por conta própria, o cinema da cidade uma vez por mês e se juntam para trocar idéias sobre a empresa." No dia seguinte, o cinema estava lotado. O pessoal cantava. Ao fundo, um telão em que se podia ver por teleconferência outros auditórios, em outras cidades, lotados de empregados. Apresentaram-me o presidente, que também estava dando risada no meio dos outros e vestindo uma camiseta com os seguintes dizeres: My Name Is "No Problem John" Call Me.
Meu sócio comentou: "Isso não é uma empresa, é uma religião". Respondi baixinho: "Mas cresce à razão de 10 bilhões de dólares por ano".
A empresa era a Wal-Mart e a cidadezinha, Bentonville. População: 19 700 habitantes.
A Wal-Mart, fundada em 1962, desenvolveu-se a partir do meio-oeste americano até se tornar a maior empresa do mundo, com faturamento em 2002 de 270 bilhões de dólares (quase 1 bilhão de dólares por dia). Possui 4 602 lojas em dez países, 3 375 só nos Estados Unidos. Aí fica a pergunta básica: por quê? Que fator ou fatores permitiram que uma pequena loja nascida, administrada e desenvolvida no meio do nada se tornasse a maior empresa do mundo?
A Harvard Business Review de novembro de 2002 e a Fortune 500 de março do mesmo ano dedicam parte da edição à explicação do fenômeno. Em ambas as matérias é destacada a atitude de Sam Walton no relacionamento com seus empregados -- chamados por ele de "associados". "Walton instilou em seus 'associados' a idéia de que a Wal-Mart tinha sua própria maneira de fazer as coisas e procurou tornar a vida na companhia imprevisível, interessante e engraçada." Para Walton, o ingrediente mais importante no sucesso da Wal-Mart era a maneira como ela tratava as pessoas. "Se quiser que os funcionários das lojas cuidem bem de seus clientes, você precisa estar certo de estar cuidando bem deles no emprego." A Fortune resume a atitude de Sam Walton diante da Wal-Mart: "Ele foi um evangelista que exortava seus funcionários a vender melhor por meio de preceitos quase bíblicos, como a 'regra dos 3 metros' -- 'cumprimente o freguês toda vez que ele estiver a menos de 3 metros' ". O princípio de gestão de Sam Walton foi "atitude". O resto foi conseqüência. Os especialistas mais e mais estão constatando na história das empresas bem-sucedidas o peso de fatores éticos/ comportamentais, não ligados diretamente a gestão ou vendas.
Outro caso surpreendente: como foi possível ao Boticário, nosso cliente, transformar-se de pequena farmácia de manipulação em Curitiba na maior empresa de franquia de cosméticos do mundo? O Boticário possui 2 200 lojas no Brasil -- 1 300 franqueadas --, 62 em Portugal, quatro no México e 400 pontos-de-venda no Japão. Foi fundado em 1977 pelo empresário Miguel Krigsner. Ele fazia perfumes tão bons que, para poder atender à demanda, abriu uma loja no Aeroporto de Curitiba. Em duas décadas já era uma das maiores empresas de cosméticos do mundo. Como conseguiu? O que O Boticário tinha de diferente? Quando perguntei isso a Miguel, ele disse: "Acreditei nos meus princípios e os apliquei na empresa". Isso incluiu a criação da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza. A fundação comprou uma área de 2 340 hectares e desenvolveu a reserva ecológica de Salto Morato, que mereceu da Unesco o título de Patrimônio da Humanidade.
A empresa possui uma cultura rica em princípios éticos e sociais e se relaciona com seus funcionários e franqueados de forma afetiva e aberta. Todos com quem conversei têm grande orgulho de fazer parte do grupo. E, para terminar, um caso de sucesso espetacular resultante da mudança de atitude dos funcionários de uma empresa. Trata-se da Harley-Davidson. Em 1980, a empresa estava à beira da falência. Tão ruim era a situação que, posta à venda pela controladora (a AMF), não apareceu um único candidato. Por fim, na falta de alternativas, a AMF vendeu-a aos próprios empregados. Naquela altura, a participação de mercado havia caído de 80% para 31%, a empresa acumulava uma imensa dívida e o produto perdia em qualidade, competitividade e tecnologia para as motos japonesas.
Aí veio o milagre. Os mesmos funcionários, participantes ativos da quase falência da companhia, assumiram o papel de salvá-la. Quinze anos depois, a Harley-Davidson era líder de mercado, a marca mais valorizada, e quem havia comprado 100 dólares em ações da empresa em 1986 receberia esse valor multiplicado por 70 em 1998. O que explica essa virada? A mudança de atitude. Os fatos demonstraram que os executivos e os funcionários da Harley tinham a competência para desenvolver uma empresa de sucesso; só que eles não queriam. Depois passaram a querer. A mudança de atitude modificou o destino da empresa e deles mesmos.
Com as crises, mais e mais as empresas estão descobrindo que o uso de soluções velhas para resolver problemas novos é temerário e perigoso. O exemplo mais evidente da obsolescência de métodos é o marketing baseado em vendas e em volume. A teoria clássica de marketing privilegia vendas em detrimento de outros fatores de desenvolvimento da empresa. Desde que haja volume, o lucro é considerado implícito, como o caroço dentro da fruta.
As grandes cadeias de varejo estão no seu papel legítimo: reduzir custos para reduzir preços. Por isso, o quadro não deverá apresentar modificação no futuro próximo. Cabe às empresas encontrar novas soluções para preservar sua rentabilidade e obter qualidade nas vendas. De todas as armas com que a empresa conta para preservar a rentabilidade da venda, a marca é, de longe, a mais eficaz. Qualquer que seja a disposição do revendedor, existem marcas que ele não pode deixar de comprar.
Existem marcas mais fortes que outras. Existem categorias de produto mais rentáveis que outras. Existem mercados mais ou menos promissores. Por trás de todos esses fatores, porém, existem a empresa e a luta pelo seu sucesso. O empresário é o herói da sua própria história. O que se está constatando na análise das empresas vitoriosas é que uma atitude proativa, baseada na crença de seus próprios valores, cria um valor competitivo adicional de grande importância e praticamente ignorado até agora. O primeiro grande campo de batalha é o mundo interno da própria empresa. Em quais valores os funcionários acreditam? São os valores da empresa? Existe algum grau de compromisso mútuo? Isso faz uma enorme diferença. Em diversas pesquisas realizadas pela Talent em lojas de varejo, reiteradamente aparece o mesmo fato: a simples atitude de os vendedores conversarem com os clientes aumenta o valor da compra. Em alguns casos em até 20% do valor médio do tíquete. Isso é marketing de atitude. Considerando que isso é obtido sem nenhum custo adicional para a empresa, 20% de aumento no valor médio das vendas pode representar 50% de aumento no lucro líqui do da empresa. Por outro lado, 90% dos vendedores entrevistados nessa mesma pesquisa consideram que sua participação no ato de vender se restringe a ser cortês com o cliente e a informá-lo sobre as características do produto sempre que consultados. É paradoxal. Por desconhecer ou desprezar esses fatos, inúmeras lojas continuam tentando obter vendas fazendo ofertas de preço e perdendo o lucro.
Os fatos vêm demonstrando também que a atitude da empresa tem a ver com o bom ou o mau resultado de sua publicidade. Através dos anos, sempre me intrigou a questão: por que algumas campanhas maravilhosas não produzem resultado nenhum para o anunciante e campanhas horríveis são altamente eficazes, mesmo que seja por algum tempo? A resposta é que as campanhas não têm o poder de lutar sozinhas contra as condições do mercado. O primeiro pressuposto para aplicar bem as verbas de publicidade é ter um diagnóstico válido do problema. Técnicas inexistentes até há poucos anos tornam isso possível atualmente.
A maioria dos planos de marketing ou campanhas que fracassam tem como razão básica um diagnóstico errado.
O segundo fator é a atitude da empresa ante essa realidade. Aqueles que lidam com o marketing de produtos de consumo sabem que a atitude dos revendedores, sejam eles pequenas lojas, sejam grandes organizações, varia conforme as relações e a imagem do fornecedor. Relações distantes ou antagônicas geram um arrasto adicional no momento de fechar o negócio. Muitas vezes quem cria o antagonismo não é a empresa, mas seu funcionário. Na falta de uma bandeira com a qual se comprometer, ele adota uma guerra própria de auto-afirmação, em muitos casos contrária à visão, aos interesses e à intenção da empresa. A atitude da empresa sempre é medida pelo comportamento de seus representantes. Vale aqui a frase de Sam Walton: "Para o funcionário cuidar bem do cliente, é indispensável a empresa cuidar bem dele".
Se a empresa não cria valores a ser defendidos por seus funcionários, estes irão criar valores próprios, nem sempre convergentes com os ideais da empresa. Se a revenda for neutra ou hostil à empresa, a propaganda não funciona. Nesta época de comoditização, se a empresa e suas marcas não possuírem nenhuma diferença ética, social ou afetiva com seus consumidores, a propaganda não vai funcionar bem. Na verdade, existe outra empresa dentro de cada empresa. Maior, melhor, mais exuberante e mais competente. Despertá-la é o grande desafio desta época de globalização.
* O publicitário paulista Julio Ribeiro é presidente da agência Talent

Um comentário:

Unknown disse...

Olá Alexandre, que bom que temos mais um blog piauense de qualidade no ar. Textos excelentes! Estarei sempre passando por aqui. Irei linká-lo no meu www.georgemendes.com
Abração!